sábado, 6 de novembro de 2010

Tumor

Faço parte daquele grupo de pessoas que antes mesmo de tentar já desistiu. Que perdeu as força, não busca mais esperanças. Não há forças. Não há esperanças.
Comodismo. Covardia. Medo. Lembranças.
O passado assombra durante toda a madrugada com o nome de insônia, e quando a insônia dá uma trégua, é hora dos sonhos atormentarem, tornando ainda mais vivas as lembranças. O passado deseja um melancólico dia assim que o sol raia nas manhãs de todos os dias.
É amargo.
Eu já conhecia este gosto antes, muito antes do meu último suspiro da minha última vida. Já conheci vários gostos. Doces. Salgados. Agridoces. Azedos. Estragados. Amargos. Entre muitos outros. Todos eles em intensidades distintas. Em algumas vezes, sentia mais de um sabor. Todos os sentimentos têm gosto, cheiros, consistências, formas. Os sentimentos afetam os nossos seis sentidos: olfato, paladar, tato, audição, visão e alma. Creio que não possuímos apenas estes seis sentidos, mas não sei descrever os outros que acredito existirem. Não sei descrever nada, nem sei por que tento. Lá vai eu desistir novamente.
Desistir virou vício, fuga, caminho – talvez – mais fácil. Descobri que tenho um tumor, um tumor sem cura, incontrolável. O tumor cresce! Todos têm este tumor. Não sei seu nome e não quero  descobrir nada a seu respeito, o que eu mais temia saber: já sei: é maligno. Vou morrer, todos vamos, mas se afaste de mim. Poupe dor. Já perdi tantas vidas com ele, já vivi tantas vidas com o lado benigno dele. Mas o passado precisa deixar de importar. Não vou sobreviver a este tumor. Um dia eu quis descobrir uma maneira de não precisar mais viver com ele, nem com o lado benigno nem com o maligno. Mas nascemos com ele, e em algum ponto ele cresce... e quando já não tem mais controle, ele se revela maligno ou benigno. Hoje não quero mais saber nada, deixe-me respirar e sentir meu músculo cardíaco pulsar no silêncio da minh’alma. Santos movimentos desnecessários...
Deixe-me só. Não perturbe o amargo silêncio.  

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

2ois

Para Trevor; M.
“Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.”
Por Pablo Neruda


– Eu não te amo apenas. Desejo-te. Preciso-te. Assim, bem perto. Mais perto. Colados. Nós dois tão próximo que perdemos os limites de onde termina um e começa o outro, não há limites somos apenas um.
Dois em um. Pele úmida com pele úmida, pêlos com pêlos. Peitos e seios tão unidos que um pode sentir o coração do outro. Disparado. Disparados, os dois corações daqueles dois seres que são apenas um, pulsam juntos.
Línguas se chocam, dançam, brigam, brincam. Gostos de misturam. Unhas causam arrepios incontroláveis. O desejo está na pele, no suor, nos lábios, nos olhos, nos gestos. O amor está na pele, no suor, nos lábios, nos olhos, nos gestos.
Um desejo puro. Um amor sincero. Uma necessidade honesta.
– Cúmplices! Somos cúmplices de um crime inafiançável. Prisão perpetua é a nossa pena: condenados a morrer de amor, morrer juntos.
– E no amor: eternos seremos.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Vodca de quinta

Parceiro, ei! Você tem um calendário? Não, não deste maldito ano. De anos passados, de anos que foram menos doloridos e até belos, ou. Ou de anos futuros, anos que não vieram, que não devastaram, que não trouxeram mágoas, nem saudades, só uma esperança, talvez doce talvez sem gosto ou com gosto apenas de esperança – um gosto que eu não mais conheço, o gosto que se perdeu de mim.
E então, você tem um calendário com gosto de esperança? É essa a minha pedida de hoje. Mas claro que você pode trazer mais uma dose daquela vodca nacional. Dupla. Pura. Ao som do poeta Renato Russo, grande. Morreu cedo. Mas o que eu daria para poder curtir um show dele, deles. Poderia morrer ao final do último acorde, saberia que minha vida teria sido bem vivida. Ou apenas vivida!
Não, parceiro, eu não deveria ir para casa, eu não bebi demais. Estou sóbrio, infelizmente.  Parceiro? Ora, agora essa. Parceiro sem nenhuma cumplicidade, sem parceria. Mas continuarei lhe chamando assim: parceiro. Deixe ilidir-me ao pensar que tenho um parceiro, mesmo sendo o garçom do botequim de quinta que passo todas as minhas noites e madrugadas.
Noite após noite embriagado e sempre por essa maldita vodca nacional, nem mais efeito faz. Sempre com esse cheiro de homem com pêlos úmidos de suor, o cheiro dessa vodca impregnado em minha pele junto com o cigarro, todos os vinte que fumo diariamente, quando não fumo mais e mais.

“e pro inferno ele foi pela primeira vez”.

 E foi a segunda a terceira e noite após noite. Todas as noites eu vou para o inferno, não me lembro qual foi a primeira, talvez nem houve a segunda vez. Em algum momento eu já saí do inferno, parceiro? Você conhece alguém que já foi ao inferno e conseguiu sair de lá?
Eu preciso de outro maço de cigarros, o terceiro de hoje se não estou contando errado, mas em matemática eu sempre fui um excelente aluno, não erraria contas de adição. Ou erraria? O tempo passou, já nem sei quanto tempo faz que troquei as manhãs na escola pelas noites neste botequim de quinta. Você se lembra? Você se lembra da minha primeira vez aqui? Ah. Minha memória tem me enganado, me fazendo acreditar em coisas que talvez nunca aconteceram, talvez foram apenas sonhos. Mas eu me lembro de algo, foi em uma noite depois de terminar um trabalho escolar na casa dele. Ele quis me mostrar um lugar, disse que desestressava, e aquele trabalho tinha nos deixado completamente estressados e cansados. Ele me trouxe aqui, pediu duas doses dessa mesma maldita vodca nacional. Dupla. Pura. Acendemos cada um o seu cigarro, naquela época eu já fumava, ainda pouco. Fumamos, bebemos, rimos, ouvimos os poetas de décadas passadas, conversamos, nos declaramos.
Foi isso mesmo que aconteceu, parceiro? Você nos atendeu naquela noite. Duvidou que agüentássemos mais que três doses. Mas ainda estou na dúvida, nos declaramos naquela noite? Sei que amanhecemos aqui, e fomos direto apresentar o trabalho que havia nos trazido até aqui. Não conseguimos falar nenhuma frase coerente, eu não estou falando nada coerente. Mas não me mande calar nem ir embora, e não me negue mais uma dose. Ainda estou sóbrio. A cada dose fico mais sóbrio! Você tem café? Bem forte e amargo? Talvez o café me deixe insano, roube minha sanidade. Talvez.
Ele! Nem o seu nome eu me lembro. Não me lembro das feições, do sorriso, do jeito, só me lembro da voz: rouca e manhosa. E do cheiro: cheiro de homem com pêlos suados e a vodca, essa mesma vodca nacional e maldita, impregnada em sua pele e pêlos junto com o cheiro de todos aqueles cigarros, todas aquelas noites, todo aquele gozo. Às vezes sinto o cheiro dele em mim, mas falta o gozo, o cheiro dos espermatozóides dele misturados com os meus.
Saudades. Lembranças. Embriaguez.
E eu quero ficar mais embriagado com minha sanidade, com essa vodca maldita de quinta. Mas dessa vez no meu quarto, longe da luz do sol que daqui a pouco invadirá a cidade. Até a próxima madrugada, parceiro. Se a luz não me sucumbir. 

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Desejo a ti belos dias

Tenho visto lindos dias, são tão belos que vezenquando penso estar vivendo dias belos também, penso estar vivendo os mesmo lindos dias que vejo. Doce ilusão. Utopia que é logo quebrada: coloco a mão no bolso da calça, tateando até esbarrar no celular, o gesto é tão comum que chega a ser impensado, mas ao triscar no celular afasto imediatamente a mão, como se uma descarga elétrica tivesse atingido o celular e ele estivesse dando fortes choques-elétricos, choques-de-realidade. E o tal choque varre a utopia: não posso te ligar, nem uma mensagem, nem um “bom dia”. Não mais. Já ousei demais, mandei-lhe um e-mail com poucas palavras em um ato desesperado, não houve resposta, eu estava consciente que a resposta não viria. Mas ainda checo minha caixa de entrada duas ou três vezes ao dia, outro ato de desespero. E entupo minha caixa de rascunho com e-mails que deveriam ser enviados a ti, em mais outro ato de desespero. Ando desesperada, desnorteada...
Lembro do dia lindo, mas não ouso pensar que posso, quem sabe por um milagre, estar vivendo um lindo dia. Estou olhando por uma grande janela, sim é isso. Eu assisto aos dias, um por um, através de uma grande janela, mas é gradeada e pelas grades passam uma forte corrente elétrica – talvez, por isso que levei o choque ao pegar no celular, ou porque eu estava querendo invadir um lugar que não me pertence, levei o choque e foi merecido. Os dias belos não me pertencem ou eu não pertenço a eles. Não nos pertencemos, essa é a verdade.
Mas volto a pensar, sem mais a doce amarga-ilusão ou utopia, o quão eu queria poder completar aquele ato de pegar o celular, discar seu numero que sei de cor, salteado e de trás para frente, esperar tocar duas-três-quatro vezes e ouvir uma voz mansa e sonolenta – pois você só acorda depois das dez e eu antes das seis, mas pouco importa a hora do dia: sua voz é sempre mansa e sonolenta, o calmante ideal para meus devaneios.  Sei que ao ouvir seu suspiro, você sempre atente aos telefonemas, ao menos aos meus, com um suspiro que de súbito acelera meus batimentos e logo depois os acalmam, é tão gostoso a disritmia cardíaca que você me causa. Você começa a conversa, sem formalidade, talvez um ‘bom dia, boa tarde, boa noite’, mas creio que será com um comentário: sobre o que sonhou na última noite, sobre algo que viu/ouviu/sentiu e que queria compartilhar comigo – como eu: eu queria lhe dizer como o dia estava lindo, como eu queria poder viver este dia contigo. Mas você às vezes fala mais, quando está empolgado com alguma coisa faz poucas pausas para ouvir meus comentários, mas creio que eu iria falar mais, afinal tinha um belíssimo dia para descrever minuciosamente a você. Você pediria uma foto, faria perguntas interessado, faria comentários e me faria sentir-me completa e não apenas observando o dia, mas talvez, o vivendo mesmo que a margem. Posso ouvir sua voz sussurrando em meu ouvido, a saudade se apossa de mim ainda mais, como se houvesse maneira de sentir mais saudade que eu estava sentindo. Tais pensamentos enchem meus olhos d’água, as lágrimas salgadas-e-ácidas voltam a queimar meus olhos opacos e moldados em pesadas olheiras.
Fito o Céu, fito o dia por um longo tempo, estou sem pressa, não me preocupo com as horas, afinal horas são apenas a medição do tempo e o tempo que eu tenho tem sido apenas o relógio m dizendo que as horas têm passado, cada vez mais devagar e eu fico apenas divagando. E desejo, com toda a força que tenho, que você possa estar vivendo este dia lindo e que em algum momento eu esbarre em uma janela que me permita ver você, te observar através das grades de realidade-elétrica, apenas observar e ter mais uma doce ilusão que você, inconscientemente, desejasse que eu estivesse tendo um bom dia, também. Ou ao menos, iludir-me pensando que você vez em outra, em pouquíssimos instantes durante seus dias ou noites, em devaneios ou em sonho, pensa em mim e que um dia, mesmo que demore, vai fazer meu celular tocar novamente e meus batimentos adquirirem um novo ritmo.
E as horas continuam a passar, vezenquando arrastando-se preguiçosamente e vez em outra ligeiras, apressadas. E eu vou divagando como a fumaça dos cigarros que trago, observando através das janelas gradeadas os dias, lindos ou não. 

domingo, 26 de setembro de 2010

O Peso da Espera.


Esperando estou. Esperando mesmo sem esperança. Talvez, esperando a esperança. Ou esperando ter algo para esperar. Mas esperando. Esperando, talvez, por qualquer alguém, ou por ninguém. Esperando por mim. Por uma outra parte de mim. Esperando por uma descoberta. Por algo novo ou pela volta de algo que ficou para trás.
Esperando... esperando estou inerte. Esperando, talvez, por não esperar mais. Por, talvez,não mais precisar esperar.
                 Porque esperar é esperar e esperar não é fácil, cansa. 

sábado, 25 de setembro de 2010

Solidão: você e eu


O que mais me dói, suponho eu, é que não consigo falar sobre você para ninguém. E acho um ato tão egoísta não conseguir falar o quão bem você me fazia, os tantos sentimentos que você fez nascer em mim. E acho tão hipócrita de minha parte sorrir para os outros, dizer que está tudo bem, fingir que está tudo bem.
Isolei-me, não consigo mais interagir com ninguém, não consigo manter uma conversa por mais de cinco minutos ou de três frases. Em cada pessoa que comprimento, com quem inicio uma conversa: penso em você e me vem tantas coisas em mente que eu gostaria de compartilhar com você. E se eu contasse qualquer uma dessas tantas coisas para outro alguém perderia o sentido, ninguém entenderia. Isolei-me, pois cansei de te imaginar, de te procurar em outras pessoas. Agora te tenho na solidão, no silêncio, na música baixinha que só eu posso ouvir. Tenho-te assim, comigo, na solidão, onde ninguém pode nos interromper e só você pode me entender.   

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Conhecendo o presente


Não falo mais de você, na verdade, nunca falei. Falo de mim, falo de quem eu fui e de um alguém que estou começando a conhecer como o eu no presente. Meu eu. Meu presente. Falo do que sinto, do que acho que sinto, mesmo sem saber o nome ou se é bom ou não. Não me importa, nada me importa. Estou conhecendo o alguém que me diz ser o eu – o meu eu – isso  é a única coisa que talvez me importa. Talvez.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O que você vai pedir à lua quando anoitecer?


O relógio com seus números luminosos a avisou que era quase às quatro da manhã – ou seria da madrugada? –. Ann estava deitada, não se mexia, não queria se mexer. Não queria pensar, e nem respirar. Mas não conseguia fazer todas as suas vontades. Ela mantinha os olhos abertos vagando pelo quarto, uma luz tênue entrava pela janela deixando alguns móveis mais nítidos. Ann gostava da luz fraca ou até da falta dela. Ann gostava da escuridão. Talvez aprendera a conviver com ela, se sentia confortável com o escuro.  Fitava todo o quarto e ao mesmo tempo nada enxergava. Olhava sem nada ver, fitava o nada.
Seus pensamentos estavam confusos, algo que já havia se tornado habitual. Fleches e imagens dos últimos sonhos penetravam e dominavam seus pensamentos. A confusão aumentava quando ela tentava se lembrar o que havia vivido nos dias anteriores. As lembranças eram desconexas, misturavam-se com as imagens dos sonhos, e as poucas certezas deixavam de ser certezas. Ela não queria pensar, queria afastar todas as imagens, fleches e frases de seus pensamentos. Queria. Não conseguia.
Sentou-se na cama retirando a grossa coberta que a impedia de sentir a brisa fria daquela madrugada. Colocando os pés descalços no chão sentiu um calafrio percorrer todo o seu corpo cansado. Pegou um pequeno e familiar caderno na mesinha ao lado da cama, deu alguns passos vacilantes em direção a janela. Sem saber o porquê do que estava fazendo, por um instinto desconhecido, abriu a grande janela que deixava pequenos e fracos feixes de luz penetrar o quarto. Um vento gélido adentrou e dominou totalmente o pequeno ambiente mal-ilumidado. Ann sentia o frio, seus pêlos estavam eriçados, mas não se incomodava, de certo modo sentia que o frio a entendia, e que era uma boa companhia. Passada a primeira sensação por abrir a janela, debruçou-se no parapeito para conseguir melhor fitar o céu.
O céu naquela madrugada era iluminado pela solitária lua minguante de abril. Não havia estrelas naquele céu. Ela fitou a lua por mais alguns longos instantes. Ainda tinha o caderno familiar nas mãos, abrindo-o na última página rabiscada encontrou uma anotação e a leu em voz audível:
– A felicidade é traiçoeira, nos faz acreditar em um sentimento pleno, um bem-estar absoluto que pode até ser eterno. Mas quando menos esperamos – as coisas acontecem sempre quando não esperamos, pensou Ann, depois continuou – Mas quando menos esperamos, ela vai embora, deixando apenas o vazio que logo é ocupado pela completa tristeza.
A cada palavra lida à luz da lua por aquela voz fraca e rouca, aumentava a força das lágrimas que se formavam em seus olhos pouco brilhosos. Mas nenhuma das lágrimas ousou escorrer e quebrar a secura daquele rosto. No entanto, a sensação de vazio sendo ocupado, devastado pela tristeza incomum era mais ousada: a dominava, e a cada minuto ganhava mais força e intensidade.
O vazio não era ruim, o vazio era confortável. A tristeza também não era de todo mal, ela só precisava se acostumar com o furto do vazio, Ann só precisava aprender a lidar com aquela nova tristeza. Quantas e quantas vezes ela já havia se sentido assim? Ela já havia criado uma cumplicidade com a dor, com a tristeza, com o vazio e com a solidão – os seus preferidos –. Mas desta vez a felicidade havia lhe furtado toda a força... Desta vez a felicidade havia sido ainda mais devastadora e cruel.
Fitando com os olhos tristonhos a lua, Ann lembrou-se de uma conversa de meses atrás. Mordeu os lábios desejando veemente um cigarro, mas havia fumado o último cigarro há mais de três dias, talvez ela quisesse querer parar de fumar. Só queria.  
– Lua, um dia me perguntaram o que eu ia... – começou a falar com sua voz fraca e rouca – o que eu iria pedir para você quando anoitecesse, eu fui surpreendida com tal pergunta, mas eu gostei. Não sabia o que pedir, pensei muito naquela noite e pedi coisas boas para quem havia me feito tal pergunta e para mim, também. Depois daquela noite eu segui te agradecendo todas as noites, ao menos as que me lembrava. Mas hoje, hoje mais do que nunca eu preciso lhe fazer um pedido com toda minha humildade e admiração por você. Ajude-me, Lua. Ajude-me a lidar com essa dor, com esse sentimento.  – Sua voz ia enfraquecendo. – Não peço a felicidade, ela não me faz bem, não faz bem a ninguém. Peço apenas o vazio, a solidão. Ajude-me, Lua.
Os minutos passavam nem lentamente nem rapidamente, apenas passavam. E Ann ainda debruçada no parapeito da janela, não se mexia, apenas respirava e fitava a lua. O reflexo da lua em seus olhos era o único brilho que havia neles.
Amanhecia.
Viu o azul turvo da noite-madrugada se clarear e a amarelada luz do sol fazer o dia. O nascer do sol foi belíssimo, ela admitiu, mas não ficou ali para ver o espetáculo. Ann fechou a janela, ainda doía e ela sabia que iria doer ainda mais. Mas ela sabia que agora tinha uma companhia durante as noites. Um ponto de paz onde podia encontrar um pouco de força para aprender a lidar com aquela dor. E até um pouco de brilho no olhar

domingo, 5 de setembro de 2010

Anjos, com todo perdão da palavra.






- Posso te chamar de Anjo?
- Anjo? Ah, não, não. Anjo é um substantivo muito forte, até mesmo para um apelido carinhoso.
- Eu sei, justamente por isso que acredito que ele conseguiria exprimir um pouco do que você representa para mim.
- E o que eu represento para você?
- Um Anjo. Um Anjo salvador.
- Como assim?
- Você apareceu quando eu estava jogada às traças, sem a mínima vontade de me reerguer ou de fazer qualquer outra coisa. Você abriu uma pequenina fresta na janela, deixando que entrasse um pouco de luz e esperança. Mas foi prudente, não deixou a esperança me iludir e nem a luz me cegar. Deu-me a sua mão de dedos longos e finos, me ofereceu seu silêncio e sua solidão. Não me cobrou nada, não roubou minha solidão e nem meu silêncio... apenas os completou. Deu-me companhia. Me fez voltar a sonhar, mas não me fez acreditar cegamente nos meus sonhos... Você me deu esperança sem me iludir. Mostrou as limitações e as barreiras, e me disse que não seria fácil quebrá-las, mas se eu precisasse que uma forcinha extra, poderia contar com você. Foi um verdadeiro Anjo.
- Anjo...
- Anjo!
- Bem... Se for assim, você foi mais Anjo para mim do que eu fui para você.
- Quê?
- Você foi transparente comigo, me deixou conhecer suas feridas e me ajudar a cuidar de ti. E cuidando de ti, conhecendo suas feridas eu conheci as minhas. Ao me deixar estar contigo minhas feridas foram cicatrizando. Você... com você tive a solidão compartilhada que tanto procurei. Algo utópico que eu já havia deixado de acreditar. Você me permitiu abriu um frestinha da minha janela, você me motivou a te motivar. Você me devolveu as cores e a luz. Você foi o Anjo. Salvou-me de mim mesmo...
- “Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.”
- Eu pensei exatamente nesta citação de Caio... Mas você foi mais rápida e mais ousada.
(...)
- Então você é uma alma especial. Um Anjo.
- Não, nós somos almas especiais, meu Anjo. 

A Companhia da Lua ao Som de Beethoven



Era finalzinho de tarde de uma segunda-feira de outono. O pôr do Sol deixava o céu num tom alaranjado, uma brisa fria tocava as folhas das árvores fazendo com que elas dançassem. Há uma quadra dali, um jovem rapaz, com pouco mais de vinte anos, fechava a porta de casa e acendia um cigarro indo até o ponto de ônibus a caminho da faculdade.
Naquela segunda-feira ele decidiu esperar pelo ônibus um ponto antes, entrando em uma rua estreita há uma quadra de sua casa ele ouviu o som de um piano saindo de uma velha construção de tijolinhos. O prédio tinha três andares, as grandes janelas de vidro estavam abertas deixando mais nítido o doce som do piano. Um grande letreiro com algumas luzes queimadas cobria parte da lateral do prédio. Piscando nele dizia Estúdio de Ballet Clássico.
O som do piano varreu para bem longe toda pressa que o rapaz tinha de chegar à faculdade. Sentou-se em uma calçada a frente do prédio. Ele olhava pelas janelas abertas as sombras das bailarinas rodopiando e flutuando ao som de uma das gloriosas sinfonias de Beethoven.
O céu de alaranjado foi ficando um tom azul escuro, as estrelas iam aparecendo timidamente fazendo companhia a Lua, era Lua cheia e brilhava, iluminando a rua. As luzes no prédio iam sendo apagadas, as bailarinas e as outras pessoas que o ocupavam também o deixavam mais vazio. Mas a música continuava. Todas as janelas e luzes estavam apagadas, exceto uma.
O rapaz já não sabia por quantas horas estava sentado naquela sarjeta ou quantas músicas haviam sido tocadas pelo pianista. Ele apenas queria ficar ali, pelo resto da noite ou pelo resto do outono.
Seu celular vibrou no bolso do jeans surrado que ele usava, ele pegou imediatamente o celular e viu que era apenas uma mensagem da operadora. Mas não pode deixar de notar que já se passava de uma hora da manhã. Ele, então, se levantou. Suas pernas vacilaram nos primeiros passos pois havia ficado por muitas horas na mesma posição, não sabia porque não havia sentido cãibras. O grande e pesado casaco preto o impedia de sentir a brisa fria do início de madrugada.
O rapaz acendeu seu cigarro e caminhou até sua casa, o doce som do piano ainda estavam em seus ouvidos. Ele observava a lua enquanto caminhava, e constatou que a Lua era a melhor companhia que ele já havia tido. Naquele restinho de madrugada ele não dormiu, ficou na janela com a sua companheira...

E ele nunca mais teve uma noite daquela. Mas até hoje o som do piano ocupa as suas noites com a Lua cheia. 

sábado, 4 de setembro de 2010

Culpada

Sou culpada, embora os outros digam que não há culpa pois não há crime. Mas eu sou culpada, eu sei disto. Sou culpada por um crime que aconteceu só para mim. Sou culpada por deixar nascer alguém em meu peito e quando a vida estava muito boa, quando estava no auge da felicidade e do amor – suponho que é assim que chamam esses sentimentos indecifráveis  e infames – eu cometi assassinato! Ou foi suicídio? Não sei, mas eu matei alguém. Ou mais de uma pessoa... será que matei duas vidas felizes e amantes? Ou matei uma só vida? Só matei a mim? É, só matei a minha vida. Matei a vida feliz e com amor que eu havia construído. Mas essa vida não faz falta a ninguém, porque ninguém registrou ocorrência na delegacia de homicídios. Acho que só eu, apenas eu sinto falta dela. Mas talvez não seja falta... seja remorso. Afinal nunca tinha matado antes. Matar não é fácil... deixa a culpa de uma vida acabada. 

[Escrito em 21 de Julho de 2010]
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Nota: Ando postando meus escritos antigos... Coisas que eram só minha.

A Desvairada






Após algumas doses de Insanidade, em meio a uma nuvem formada pela fumaça de nicotina que acabara de sair de seus pulmões. Não tão distante dali, tocava alguma música que falava sobre solidão e desesperança, algo perfeito para aquele momento. Já cansada das pessoas, decidiu então, se socializar com as palavras...
 Nada se pode esperar desta desvairada que nada mais tem a não ser um corpo jogado sobre uma mesa qualquer pedindo por mais uma dose de insanidade. 

Seria a Morte a vilã ?

Pensam que sou sórdida que sou uma figura ardilosa, que utilizo minhas habilidades com o intuito de prejudicar alguém. Mas estão enganados, pois nunca enganei ninguém: todos já nascem com a certeza que um dia me encontrarão e que descansarão em paz em meu leito.
Nunca prometi nada além do descanso, muitos até vem a mim por vontade própria pois se cansam de ser enganados pela Vida. Ela mente, ilude, faz falsas promessas e ainda tem a fama de “boa moça”.
Mas eu entendo os mortais, a Vida tem momentos lindos que nos deixam fascinados e pedindo bis. Apesar das diferenças e intrigas nos damos bem, ela vê tudo como se fosse uma comédia de cinema, ela ironiza tudo até mesmo o verbo “viver”. Diz que sou rabugenta, que levo as coisas muito a sério. Talvez ela tenha razão, afinal, o que ela acha engraçado é ironizar e eu nunca consegui conjugar esse verbo na primeira pessoa.
A Vida se renova a cada fração de milésimo de segundo, ou até menos que isso, e quase no mesmo intervalo de tempo uma pessoa se torna eterna. Carrego milhares de centenas de décadas de anos nas costas e sei que terei o resto da eternidade para viver minha morte. Ah, a Vida é sempre bem-vinda em todos os lugares todo o tempo, já eu sou vista como uma coisa injusta que levo as pessoas antes da hora. Os mortais não entendem que eu só apareço para livrar-los de mais uma das peças da Vida, que lhes trago descanso e a tão sonhada eternidade em um lugar calmo, com cheiro de outono e cores em tons suaves.
Não ofendo-me pelas injustiças que me são atribuídas, afinal, viver é belo. Você terá algumas décadas de anos para viver sua tão sonhada vida - a vida é curta e por isso é muito mais valorizada -, e terá toda a imensidão da eternidade para descansar em paz.
Tenho um adjetivo que a Vida nunca terá: eterna.
Viu, não sou vilã; só tenho a infelicidade de ser eterna.

[Escrito no dia 15 de Março de 2010]

[Re]encontro

Seus dedos longos e finos acariciavam as cordas do violão, fazendo música... as notas soltas voavam em uma única direção: o coração da moça que o observava atenta. Ela seguia cada movimento do rapaz alguns anos mais velho. Ela fechou os olhos, sentiu a notas que saiam do violão do rapaz acariciar sua pele, no mesmo instante todos os cabelos de seu corpo se eriçaram, uma lágrima doce se formou em seus olhos e seus lábios rosados esculpiram-se em um singelo sorriso, dando toda a liberdade para a lágrima caminhar em seu rosto. O rapaz – mais experiente, mais culto, mais bonito, mais delicado, mais uma porção de mais – sorrio tímido ao perceber o que havia acontecido com a moça... As notas já não voavam, elas repousavam no coração da menina, dando-lhe paz, fazendo-lhe um bem incalculável... devolvendo os sonhos.

E fica, na memória dos ouvintes, o encontro ou o reencontro... De quê? Não sei dizer, mas que foi um lindo encontro, isso ninguém duvida.

[Escrito no dia 29 de Agosto de 2010] 
Meu caro, 
devo admitir que tenho problemas com os inícios. Começar é algo complicado para mim, talvez porque todo começo vem após um fim... E finais, em sua maioria, não são agradáveis, apesar de serem incompreensivamente necessários.  Mas não falaremos em términos, certo? Falaremos sobre... sobre o clima. O final do inverno e a chegada da primavera... Será impossível não falar sobre finais e inícios? E os meios?
Vou abster, e o início e o fim ficam por aqui! Quem sabe o meio chegue mais tarde. Ele às vezes se atrasa.

Até mais ver.