sábado, 4 de setembro de 2010

Seria a Morte a vilã ?

Pensam que sou sórdida que sou uma figura ardilosa, que utilizo minhas habilidades com o intuito de prejudicar alguém. Mas estão enganados, pois nunca enganei ninguém: todos já nascem com a certeza que um dia me encontrarão e que descansarão em paz em meu leito.
Nunca prometi nada além do descanso, muitos até vem a mim por vontade própria pois se cansam de ser enganados pela Vida. Ela mente, ilude, faz falsas promessas e ainda tem a fama de “boa moça”.
Mas eu entendo os mortais, a Vida tem momentos lindos que nos deixam fascinados e pedindo bis. Apesar das diferenças e intrigas nos damos bem, ela vê tudo como se fosse uma comédia de cinema, ela ironiza tudo até mesmo o verbo “viver”. Diz que sou rabugenta, que levo as coisas muito a sério. Talvez ela tenha razão, afinal, o que ela acha engraçado é ironizar e eu nunca consegui conjugar esse verbo na primeira pessoa.
A Vida se renova a cada fração de milésimo de segundo, ou até menos que isso, e quase no mesmo intervalo de tempo uma pessoa se torna eterna. Carrego milhares de centenas de décadas de anos nas costas e sei que terei o resto da eternidade para viver minha morte. Ah, a Vida é sempre bem-vinda em todos os lugares todo o tempo, já eu sou vista como uma coisa injusta que levo as pessoas antes da hora. Os mortais não entendem que eu só apareço para livrar-los de mais uma das peças da Vida, que lhes trago descanso e a tão sonhada eternidade em um lugar calmo, com cheiro de outono e cores em tons suaves.
Não ofendo-me pelas injustiças que me são atribuídas, afinal, viver é belo. Você terá algumas décadas de anos para viver sua tão sonhada vida - a vida é curta e por isso é muito mais valorizada -, e terá toda a imensidão da eternidade para descansar em paz.
Tenho um adjetivo que a Vida nunca terá: eterna.
Viu, não sou vilã; só tenho a infelicidade de ser eterna.

[Escrito no dia 15 de Março de 2010]

Um comentário:

  1. Confesso que de todas tuas prosas, esta foi a que agradou-me por completo. Conseguiu expressar divinamente com palavras todo sentimento, trocando o forçado pelo maduro.
    "(...) todos já nascem com a certeza que um dia me encontrarão e que descansarão em paz em meu leito."

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